Diário Trabalhista do #Covid19 no Brasil: Ode à barbárie

ODE À BARBÁRIE: a sociopatia da elite brasileira na pandemia COVID-19

Por Osmar Alencar Jr*

A etimologia do termo barbárie vem da palavra em latim barbarie, a qual, segundo Aurélio significa “qualidade ou condição do que é bárbaro, cruel ou desumano”; relacionado a incivilidade; em que há grosseria, rudeza ou falta de civilidade”. Pode ser, também, um lapso ou erro grosseiro de ortografia ou linguagem que fere as normas básicas da gramática de um idioma.

Nessa perspectiva, a barbárie pode ser interpretada como uma ação de extrema violência e agressividade, com o único objetivo de afetar diretamente a paz e tranquilidade de determinado grupo. Se transforma em barbárie social quando pessoas de grupos sociais ignoram as leis previstas pela legislação oficial e agem por conta própria, tomando descabidas aleatórias sem apoio da justiça.

Essas ações agressivas e fora da lei, como resposta da população à desorganização social patrocinada pelo Estado, provocam desordem e proporcionam o aumento da violência gratuita entre os indivíduos.

A barbárie social, aquele estado de guerra hobbesiano, antagônico à ideia de civilização, de ordem social e de cidadania, para florescer na sociedade precisa do caos, da desordem e de indivíduos cruéis, violentos e ignorantes, isto é, necessita de um cenário macabro em que o necropoder substitui o biopoder do Estado e de pessoas e/ou lideranças sociopatas.

O cenário fúnebre já temos, pois em 23/04/2020 a pandemia do COVID-19 já registrou oficialmente, pelos dados do Ministério da Saúde (MS), 49.492 casos de pessoas infectadas e 3.313 mortes no Brasil, com uma taxa de letalidade de 6,7%. Já há casos confirmados em todos os Estados da federação, sendo o epicentro da epidemia, nesse momento, nos estados de São Paulo (1.345 mortes com taxa de letalidade de 8%), Rio de Janeiro (530 mortes com taxa de letalidade de 8,6%), Pernambuco (312 mortes com taxa de letalidade de 8,9%), Ceará (266 mortes com taxa de letalidade de 5,8%) e Amazonas (234 mortes com taxa de letalidade de 8,1%).

Sem falar na enorme subnotificação existente em todo o país, pois não existem testes suficientes para massificar a testagem e nem capacidade laboratorial para atender a demanda de exames com a rapidez devida. O MS afirmou em 23/04/2020 que existem mais de 1,2 mil mortes por síndromes respiratórias que ainda estão sendo investigadas. Isso também é comprovado pelo estudo da Fiocruz, que aponta o crescimento expressivo nas internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) neste ano, em comparação à média registrada nos últimos 10 anos,

A SRAG é uma doença respiratória grave que exige internação e é causada por um vírus: o novo coronavírus, o influenza e outros. Na contagem da Fiocruz, até 04/04/2020 ocorreram 33,5 mil internações por SRAG, muito acima da média de 10,4 mil casos no mesmo período em 2016, quando houve um surto de H1N1.

Outros fatores que deixam mais fúnebre esse cenário são a falta de equipamentos de proteção individual para os profissionais da saúde, a taxa elevada de ocupação das UTI’s, o colapso da saúde pública em algumas cidades, a negação da pandemia pelo governo Bolsonaro e o papel de garoto propaganda do mercado e da ditadura militar exercido pelo Presidente da República.

Nesse sentido, a categoria barbárie expressa literalmente o significado do governo Bolsonaro, tanto na linguística com expressões “chulas” e erros gramaticais grosseiros de sua equipe que barbarizam o português, quanto na condição bárbara do governo com toda a falta de civilidade e desumanidade para com a classe trabalhadora do país.

Enquanto Bolsonaro, Guedes, Weintraub e sua trupe dificultam o acesso à renda básica emergencial de R$ 600,00 por mês ao trabalhador informal e congênere, forçando os trabalhadores jovens superexplorados a retornarem ao trabalho e seus familiares a morrerem por contaminação dos mais novos ou por fome, empreendem uma limpeza etária e social que produzirá, ao mesmo tempo, o enigmático e sacrossanto equilíbrio fiscal neoliberal e os lucros futuros da Finança.

Protegem os patrões, a fração da burguesia financeira e rentista nacional e internacional, tanto financeiramente pelo aporte de dinheiro às suas instituições bancárias (R$ 1,2 trilhão) e pela garantia de suas aplicações financeiras (R$ 1,1 trilhão), como nas questões trabalhistas, pela suspensão dos contratos de trabalho com rebaixamento de 30% dos salários dos trabalhadores.

Assim o governo Bolsonaro substitui o biopoder do Estado, em sua função protetora de regular a vida das pessoas, em tempos de pandemia, por outro tipo de poder, o de matar por meio de tecnologias e dispositivos legais e ilegais, com efeitos muito mais radicais que a guerra às drogas, o feminicídio, o desaparecimento forçado, a escravidão, o tráfico de pessoas, entre outras graves violações dos direitos humanos. Seu objetivo, ao negar a pandemia e forçar a abertura do mercado é administrar a morte, não mais a vida. O biopoder do Estado transforma-se em necropoder e é festejado nas carreatas da morte em todo o país pela fração sociopata da elite brasileira.

A elite brasileira, segundo Saad Filho (2018), é composta pela burguesia e a classe média tradicional, em que a primeira é menos de 1% da população e a segunda 16% dos 200 milhões de habitantes, segundo o Censo de 2010.

Ainda segundo o autor, a burguesia é detentora dos meios de produção, do capital produtivo, capital comercial de grande escala, capital financeiro (portador de juros e maioria do capital fictício) e grandes propriedades de terra. Emprega diretamente e indiretamente o trabalhador assalariado, controla a alocação e o desempenho do trabalho, se apropria do mais-valor produzido pelo trabalhador e decide as condições de acumulação do capital. Está dividida em uma burguesia internacionalizada ligada aos interesses do capital transnacional e da finança mundializada e uma burguesia interna ligada aos ramos da construção civil, do agronegócio, processamento de alimentos e outros conglomerados nacionais e alguns bancos.

Já a classe média, pequena burguesia, possui poucos ativos produtivos e financeiros, fornece serviços de apoio à extração, à acumulação e realização de mais-valor. Abrange os gerentes da maioria das empresas privadas de grande e médio porte, pessoas da burocracia estatal, profissionais liberais, comerciantes autônomos, pequenos arrendatários e pequenos empresários. Seu dilema reside na angústia de descer, segundo Antunes (2009), para a classe-que-vive-do-trabalho e na fantasia de ser burguês.

Tanto a burguesia como a classe média, em grande medida apoiaram, votaram e ajudaram a eleger o presidente Jair Bolsonaro. Sabiam das suas “habilidades” como ex-capitão e como parlamentar experiente e inexpressivo do Rio de Janeiro. Do envolvimento da sua família com os milicianos, da sua idolatria por torturadores, do seu racismo e machismo enraizados, da sua repulsa pelos LGBTT+ e seu ódio mortal por qualquer tipo de ativismo político, e principalmente, pela obsessão paranoica de exterminar fisicamente a esquerda comunista no Brasil. Todas essas características expressas na prática cotidiana da sua candidatura e, agora, na função de Presidente da República levam a crer que Jair Bolsonaro é um sociopata.

Os sociopatas demonstram forte desprezo pelos direitos dos outros, pelas leis, praticam atos passíveis de prisão, mentem e ludibriam com o intuito de se beneficiar, agem impulsivamente e de maneira irresponsável, são imprudentes e não se preocupam com a sua segurança e nem com a dos terceiros, possuem uma irritabilidade e agressividade fáceis e provocam discussões constantemente, não sentem remorso e são indiferentes aos sentimentos ruins ou maus tratos que produzem aos outros.

No entanto, a sociopatia referendada por mais de 57 milhões de votos no segundo turno das eleições presidenciais desvelou os 30 anos de redução da proteção dos trabalhadores, os de baixo, e aumento da proteção da elite burguesa, principalmente da burguesia financeira, os de cima.

Em 2013, o tremendo desalento e o desencanto de uma parcela significativa dos segmentos da classe média e dos trabalhadores subempregados na informalidade e desempregados por uma melhoria nas condições objetivas de vida no curto prazo fizeram explodir nas ruas protestos contra a esquerda e em favor da extrema direita. Essa mudança de comportamento brusca da massa proletária precarizada, subproletária e desempregada e da classe média, associando-se a grupos protofascistas e autoritários parece ter afetado a saúde mental desses segmentos da população, levando-os a um transtorno de personalidade e a uma sociopatia coletiva.

A prova disso está expressa no comportamento de frações da elite brasileira na pandemia do COVID-19. Foram elas, em suas viagens ao exterior e nas festas nababescas, que foram contaminadas e iniciaram a contaminação das demais classes e frações de classes no Brasil. Ao descobrirem os riscos de contaminação, praticaram o isolamento social vertical nas suas mansões, condomínios e residências particulares próximas aos sistemas de alimentação e de saúde. Em seguida, exigiram do Governo Bolsonaro a garantia permanente dos seus salários, rendimentos e lucros durante e depois da pandemia.

Para atender à exigência da elite, sem perder a legitimidade de fração da classe média e de segmentos do proletariado precarizado, do subproletariado e dos desempregados (ANTUNES, 2018), o governo Bolsonaro negou a pandemia e a reduziu uma “gripezinha”. Essa “tese” mirabolante, assim como outras levantadas por membros da equipe de governo, tais como a do “comunavírus” e a falsa dicotomia “saúde versus economia” tentam desviar a atenção da gravidade da crise sanitária mundial e da saúde pública nacional para responder as exigências da burguesia financeira, comercial e agroindustrial quanto à manutenção dos seus ganhos.

A manutenção dos ganhos da elite passa pelo retorno da classe trabalhadora ao trabalho. Assim, os de cima saem às ruas protegidos nos seus automóveis exigindo do governo a reabertura do comércio e das demais atividades econômicas, fechado pelo decreto de calamidade pública em virtude da pandemia do COVID-19. Tentam, a todo custo, forçar os de baixo a voltar às ruas desprotegidos para trabalharem, se contaminarem e morrerem, em defesa da manutenção da “vida boa e folgada” dos de cima.

No Brasil, um governo federal bárbaro/sociopata apoiado por frações da elite sociopata, combinado com uma epidemia sanitária de proporções do COVID-19 vêm produzindo cenas de barbárie social em várias cidades a partir de março de 2020, pressionando o retorno “à normalidade” dos lucros em meio a um cenário social completamente excepcional.

Diante da pressão sociopata da elite e do governo bárbaro/sociopata de Bolsonaro para o retorno de milhares e até milhões de brasileiro(a)s aos seus locais de trabalho e iminente contaminação e morte, qual é a tarefa imediata das organizações representativas da classe trabalhadora? Continuar recuada para salvar suas burocracias ou avançar sobre o capital para salvar a classe trabalhadora?

ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2009.
ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2018.
SAAD FILHO, A.; MORAIS, L. Brasil: neoliberalismo versus democracia. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2018.

*Economista, doutor em Políticas Públicas, professor adjunto do Departamento de Economia da UFDPAR e do Programa de Pós-Graduação Políticas Públicas da UFPI e Coordenador do Observatório do Fundo Público.

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