Organizaçoes sindicais, aprisionamento do trabalho e covid-19

Por Osmar Alencar Jr.* e Alyne Sousa**

logo-foto-diario-trabalhista-osmar-covid19-300x183Diante da pressão da elite sociopata e do governo bárbaro de Bolsonaro para o retorno de milhares e até milhões de brasileiro(a)s aos seus locais de trabalho e provável contaminação e morte, qual é a tarefa imediata das organizações da classe trabalhadora? É continuar recuada para salvar suas burocracias ou avançar sobre o capital para apontar a direção que levará à salvação da classe trabalhadora?

Para responder tais questionamentos, partiremos de duas teses pacificadas na Economia Política crítica e na Física. A primeira, diz respeito à existência de duas forças antagônicas e inconciliáveis na sociedade capitalista, o capital e o trabalho, de acordo com Marx (1989). A segunda, trata de corpos que tendem a se manter em movimento com velocidade constante ou em repouso, se não for aplicada nenhuma força sobre eles. E ainda, que quanto maior for a massa desse corpo, maior será sua tendência à inércia, segundo as Leis de Newton.

A partir dos anos 1980, o corpo capital se agigantou e perdeu densidade, aumentou o volume (espaço ocupado) e reduziu a massa, pariu a forma capital financeiro com pouca quantidade de matéria concentrada e com forte tendência a flutuar.

O capital financeiro emergiu da massa de capital industrial assentada nas máquinas, equipamentos e instalações etc., combinada com a de capital bancário. Essa fusão de capitais permitiu em pouco tempo o aumento exponencial do volume de capital financeiro, na forma de juros, títulos públicos e outros, tornando-o hegemônico na disputa intercapitalista mundial. Além do mais, facilitou a sua concentração nas mãos de poucos corpos possuidores.

Esse movimento ajudou a tornar o capital financeiro volumoso, com baixa densidade, flutuante e mundializado, reduzindo as forças contrárias ao seu movimento. Portanto, o capital com volume maior e com menos corpos possuidores, isto é, mais leve e concentrado, produziu movimentos muito mais rápidos, potentes e consensuais entre si na disputa contra o trabalho.

Já o corpo trabalho, com o advento da reestruturação produtiva, ganhou densidade, uma vez que reduziu o volume (espaço ocupado nas organizações) e aumentou a massa corpórea (número de trabalhadores), ficou mais pesado, imerso na precarização e superexploração, de forma atomizada e limitada por fronteiras nacionais e/ou regionais. Portanto, o trabalho com menos volume, mais massa e fragmentado, isto é, mais pesado e atomizado, produziu movimentos mais lentos, menos potentes e mais divergentes na disputa contra o capital.

Enquanto o capital ganhou volume e perdeu massa/matéria, facilitando sua movimentação planetária, o trabalho perdeu volume, ganhou massa e fragmentou-se em subcorpos, dificultando sua movimentação coesa.

A estratégia do corpo capital de atomizar o trabalho, permitiu evidenciar o crescimento da massa e mascarar a redução do volume do corpo trabalho, bem como a intensidade da força necessária para movimentar a classe trabalhadora na luta contra a classe capitalista.

Portanto, na conjuntura de pandemia do COVID-19, em que as forças contrárias aos movimentos do capital são menores do que aos movimentos do trabalho, como aplicar uma força adicional ao trabalho, movimentando-o de modo a anular e suplantar a intensidade e os efeitos perversos da força empregada pelo corpo capital?

De acordo com o teorema do impulso na Física, na colisão entre dois corpos, aquele que apresentar maior produto (massa X velocidade) desloca o que tiver menor produto. Analogamente, no confronto entre capital e trabalho, o produto massa-velocidade do capital é superior ao produto do trabalho, aplicando-lhe uma força capaz de reverter sua trajetória e fragmentar ainda mais sua estrutura.

Para alterar essa dinâmica, o corpo trabalho teria que, ao mesmo tempo, flutuar e tornar o capital pesado. Por um lado, aumentaria o volume numa proporção superior ao aumento da massa, o que implicaria na redução da densidade e do peso, levando-o a flutuar como o capital. E por outro, a partir dos seus movimentos e articulações políticas da luta de classe, converteria a maior parte do volume de capital financeiro em massa de capital produtivo gerador de trabalho, o que permitiria reduzir o volume e aumentar o peso do capital, diminuindo sua velocidade, revertendo as perdas por ele impostas ao trabalho, nos últimos 40 anos.

De acordo com a Economia Política crítica, a força trabalho, para estar em movimento, precisa de consciência e organização de classe. Dessa forma, os trabalhadores saíram de condições degradantes da Revolução Industrial no final do século XIX para uma situação de vida mais favorável na Europa durante o Welfare State, na primeira metade do século XX.

A melhora das condições de vida dos trabalhadores deveu-se à sua luta através da organização da força trabalho em sindicatos e partidos políticos. Esses permitiram a formação de consciência de classe e a difusão do ideário da classe trabalhadora nas ruas e nas disputas eleitorais, colocando suas pautas na agenda pública e conquistando direitos.

No Brasil, a estrutura sindical emergiu durante o primeiro governo Vargas (1930-1945), com a criação da legislação sindical que “garantia o controle estatal dos sindicatos, em termos financeiros, organizativos, políticos e ideológicos” (ANTUNES, 2018, p. 180). Ao mesmo tempo que o governo criou a legislação trabalhista, sua aplicação estava vinculada ao sindicato “estatal”.

Mesmo com toda a pressão do controle sindical pelo Estado, o movimento sindical encontrou brechas para manter sua autonomia e lograr êxito na sua organização e mobilização durante os anos 1950, com grande participação dos trabalhadores na vida política nacional. No entanto, toda a estrutura organizacional da classe trabalhadora foi atingida brutalmente com o golpe de 1964 (ANTUNES, 2018).

Após o golpe militar, surgiu o Novo Sindicalismo, com um modelo de corte classista e confrontacionista, que se opôs ao sindicalismo de Estado e promoveu alterações significativas na cultura sindical e política brasileira. Emergiram daí as centrais sindicais, dentre as quais, a CUT, que inicialmente “defendia uma organização sindical construída pela base, classista, autônoma, independente do Estado, além de assumir a defesa de uma sociedade sem exploração entre o capital e o trabalho” (ANTUNES, 2018, p. 184).

Passados mais de 30 anos, a tendência da prática confrontacionista sindical perdeu espaço para o pragmatismo negocial, o confronto esmaeceu e o pacto intergestores se fortaleceu. Praticamente todas as centrais sindicais passaram a evitar os confrontos abertos com os patrões, aceitando acordos rebaixados para a classe trabalhadora. Esse pragmatismo social-democrata empurrou o Novo Sindicalismo para práticas peleguistas, estatistas e negociais, o que Antunes (2018) caracterizou como uma espécie de sindicalismo negocial de Estado, principalmente depois de 14 anos de governos petistas.

Portanto, as organizações sindicais fragmentadas, pelegas, burocratizadas e assentadas na negociação e no corporativismo cada vez menos serão reconhecidas como espaços de representação da classe trabalhadora e têm se enfraquecido na luta contra o capital.

Em sentido contrário, a tarefa imediata das organizações sindicais consiste em: 1) superar o corporativismo e a fragmentação do trabalho no seu interior, de modo a agregar trabalhadores formais, informais e desempregados; 2) articular as questões de classe com aquelas relativas a gênero, geração, raça e etnia, a fim de reforçar o sentimento de pertencimento dos trabalhadores nesses espaços; 3) aprofundar a discussão sobre a relação entre o trabalho e a utilização da natureza junto aos trabalhadores; 4) romper a burocratização e a verticalização da estrutura sindical e ampliar as articulações internacionais de ação e solidariedade de classe; e 5) reaproximar as lutas sindicais dos espaços políticos, com a finalidade de promover a consciência de classe.

Assim procedendo, as organizações sindicais conseguirão tornar-se mais leves e coesas, possibilitando alcançarem uma maior velocidade – rompendo a inércia de suas direções burocratizadas –, na perspectiva de alterar a correlação de forças na colisão entre trabalho e capital, em favor dos trabalhadores.

MARX, K. O capital: crítica da economia política. 13.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. Livro I, v.1, tomo 1.
ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2018.

* Economista, doutor em Políticas Públicas, professor adjunto do Departamento de Economia da UFDPar e do Programa de Pós-Graduação Políticas Públicas da UFPI, Coordenador do Observatório do Fundo Público.
** Economista, doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente e professora do IFPI.

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